quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Meu Fogão de Brancaleone

Eu aprendi a amar o Botafogo pela mística do clube. Como praticante - desde sempre - de esportes, era natural me apaixonar por um clube de futebol. Mas a “liga” só se deu mesmo quando eu vim para o Rio em 1993. Aí não teve jeito. A superstição da cultura botafoguense colou em mim, amazônica crente em boto e em saci-pererê. A imaginação fértil tinha tudo a ver com os rituais do clube. Daí foi saber a história de Garrincha, Jairzinho, Nilton Santos e Heleno para me apaixonar de vez. Foi quando eu verdadeiramente descobri que você troca de muito sentimento na vida: amores, amizades, empregos, interesses profissionais, enfim. Mas há algo que não muda: o seu clube de coração. Uma vez escolhido é pra sempre por mais que ele te arraste para a melancolia muitas vezes e em outras te plante alegria em proporções industriais ou, como é o caso do atual Botafogo, em gotas homeopáticas. Você conhece alguém que trocou de clube? Se conhece, mande prender ou exiba no circo. É um caso raro.

Muita gente fala que nós, botafoguenses, cabemos dentro de uma van. Outros dizem que cabemos dentro de um Tweet! Adoro isso. Sabe porque? Porque não me sinto multidão! Tenho uma certa “ágorafobia”. Nada grave...até porque vou ao Maraca sempre! Mas isso reforça a mágica de se saber torcendo para um time com características tão diferenciadas e que nem todos aderem... afinal, é fácil torcer pelo Flamengo e pelo Vasco. Eles são recordistas de títulos. Nós temos sempre uma saga mais dura. E, por contraponto, quanto mais dura a saga mais prazer haverá na alegria. Isso não é uma elegia ao melancólico e ao sofrimento. Ao contrário! Adoro celebrar e não tem nada mais importante do que saber fazê-lo. Como Botafoguense eu tenho e cultivo manias que populam a minha vida e me fazer me sentir melhor.


E, afinal, para atualizar o tema deste post, que coisa mais feliz do que eliminar o Flamengo, campeão brasileiro com suas estrelas internacionais, desta final da Taça Guanabara? Que tal fazer isso depois de 3 finais perdidas de campeonato para eles mesmos? Que tal fazer isso com um time que, de tão mambembe, parece saído da tela do filme “O Incrível Exército de Brancaleone” de Mario Monicelli?! Convenhamos, isto é um prazer que só os contrapontos são capazes de provocar. Gosto disso. Ainda que algumas vezes a espera seja longa! Arriba Fogón!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Tarantino e os Diluidores de Pound

Escrevi esse artigo abaixo em março do ano passado. Vendo agora o filme "Bastardos Inglórios" me ocorreu de voltar a essa reflexão. Afinal, muita gente estranha o volume de citações que Tarantino usa em sua obra, bem como a violência. Seria ele um Mestre ou um Diluidor? Fica a provocação. Eu amei o filme! É o melhor Tarantino que já vi!

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Para não ser Apenas um Diluidor

Os fatos comportamentais do mundo em tempo real, acelerados pela internet, têm tido grande impacto no tipo de profissionais que somos e, principalmente, sobre os novos profissionais que chegam ao mercado. Tenho observado, com alguma curiosidade, que beira a angústia, uma intensidade maior de uso – e dilaceração – da Lei de Lavoisier (“na natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”... ou se copia). O mais interessante dessa constatação é que não vejo muita gente contestando isso. Vivemos a velocidade da era da informação de maneira sôfrega, felizes pela instantaneidade, gratos pela onipresença e pelo protagonismo frugal que a web nos coloca nas mãos via redes sociais. O olhar crítico sobre a qualidade do que produzimos está restrito a alguns grupos. Gostaria de me incluir entre essas pessoas.

Quando adolescente, me tornei uma ‘addict’ de poesia e mergulhei todo meu tempo possível no universo de Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Neto, T. S. Elliot e Dylan Thomas. Foram muitas horas dedicadas a entender meus vazios de conhecimento por meio deles. Eram muitas perguntas e respostas diante de inexprimíveis Rimbaud e Mallarmé, entre tantos... Nesse período, consciente de minha ignorância para alcançar o nível dessa genialidade poética, resolvi que estudaria também os críticos literários. Lia, então, muito de Paul Valéry e me interessei bastante por Ezra Pound. Por este, mais pela crítica e teoria do que pela poesia em si. E lembro que Pound, num livro chamado o ‘ABC da literatura’, criou seis categorias para hierarquizar os escritores: inventores, mestres, diluidores, bons escritores, belles lettres e lançadores de moda.

Em uma rápida explicação, os Inventores são artistas que estão à frente de seu tempo, subvertem o estabelecido, inventam novas formas e modos de fazer. Estariam aqui, por exemplo, Virgilio e Dante Alighieri. Os Mestres seguem os inventores e os aprofundam, com extrema competência, conseguem atingir um virtuosismo em seu trabalho e servem como paradigma. Podemos colocar aqui Elliot, Fernando Pessoa e o próprio Pound.

Os Diluidores “criam” em cima do conhecido, sem colocar ali nenhum movimento singular. Seriam aqueles artistas que tentam repetir modelos consagrados em suas obras e acabam simplificando-as, são fazedores de cópias malfeitas. Aqui dá para alocar muita gente, e deixo a critério de cada um. Lançador de moda é o que se vê inventor. Lidera manifestos, se posiciona de vanguarda, acha-se iconoclasta, um destruidor do ultrapassado, mas que, de verdade, nada constrói de duradouro. Os Belle-letristas são aqueles atentos seguidores das regras de mercado. Soldadinhos de chumbo que fazem a vida ser insossa sem a pulsação que a arte deveria trazer.

Nessa classificação, a maioria dos estudiosos gosta (eu também) de três que resumem tudo: os Inventores, os Mestres e os Diluidores. Neste ponto, volto para nosso tema. O que vejo acontecer com o acesso quase infinito ao mundo da informação em tempo real é uma superpopulação (e infestação) dos Diluidores. Ficou quase cafona e fora de moda estudar profundamente sobre um pensador, uma grande teoria, uma linha de pensamento, um movimento estético. O que se vê é uma proliferação de informações (de todos os tipos, desde áudio até visual) repetidas, copiadas, cujas fontes de inspiração são também já as diluídas das diluídas. Um terror. E isso fica pior nas novas profissões trazidas pela internet. Vejo centenas de “diretores” de arte se formando no mundo digital absolutamente tragados pelo fácil gesto de copiar e mostrar como novo. É assustador ver que eles não se interessam em visitar um museu (ainda que ele esteja na web, como o Louvre), que não se interessam em entender como foi a trajetória de Michelângelo Antonioni, que não se incomodem com a ideia de que vai ser só mais um Diluidor, com inteligência mediana, repetindo traços criados por outros como ele. Ou seja, não será uma pessoa que fará diferença em seu mercado. Nem sequer entre seu círculo de amigos. E, o que pode ser pior, talvez nem pense nisso mesmo... talvez se perceba mesmo como o profissional do efêmero. Não estou julgando o tom da felicidade de ninguém, mas, para mim, isso soa estranho.

Claro, acho que boa parte dessa formação deveria vir mesmo da escola básica. Se não for isso, o mercado de trabalho, em pouco tempo, estará infestado por “Lavoisiers” de araques, fazendo piruetas intelectuais como se fossem Mestres, num mar de ignorância que padecerá da falta da chamada “informação de fundo”. Não estou generalizando. Mas aponto isso como tendência importante a ser observada e criticada. Além das escolas, que é um fator menos controlável pelo desgaste da matriz de ensino do País, imagino que as empresas que dependam da produção intelectual de seus talentos também deveriam se comprometer a melhorar esse quadro. Poderiam usar a própria internet como um meio de educação, além do bom recurso de promover encontros presenciais sobre temas instigantes que são a base do conhecimento humano. Os Diluidores têm um papel que pode ser interessante como “trendspreaders”, mas não podem ser eles os “trendsetters”. Caso contrário, considerando que temos toda uma geração se estruturando comportamentalmente em frente a um computador, arrisca-se uma nova onda de conhecimento baseada na frugalidade do pensamento. E o pensamento transformador nunca será frugal.