Esperei a eleição de 2010 com muita ansiedade. Há 12 anos meu foco constante é observar, ver, ouvir e tentar entender (e com muita dificuldade) o que somos na condição de “personas digitais”. A dificuldade é inerente ao momento histórico criado pela avalanche de possibilidades da web e do intricado e maravilhoso mundo novo das redes sociais.
Assim, tenho passado esses anos estudando como nos envolvemos, construímos e desconstruímos marcas, imagens e reputações. Não seria diferente para mim na hora da efervescência eleitoral.
Nos vários trabalhos profissionais nos quais estou envolvida sobre eleições, tenho observado que o novo (a web e as redes sociais, especialmente) parece que foi suplantado pelo velho (o tradicional modo de fazer política no país). A invenção da web não trouxe a política para o século XXI. Mas a política conseguiu levar a web para o século passado.
E, o que é pior, usando o melhor da rede: sua capacidade de “viralização”, a convergência com a mídia de massa, capilaridade e mesmo o controverso entendimento sobre o que é a legalidade/ilegalidade do que se faz e sobre o que se diz na rede. Isso sem contar uma parte muito estranha que a web facilita: o anonimato. Ou seja: o jeito de fazer política com denuncismo, mentiras e trocas de informações distorcidas ganhou a rede.
Independentemente dessas comprovações, continuo, a esta altura da reta final da campanha, em busca de um certo “sujeito oculto” que mais me interessa: o cidadão 2.0.
Essa talvez tenha sido a minha maior frustração com a campanha no ambiente digital até agora. Não vi, de fato, – a não ser no caso das celebridades – as pessoas comuns tentando se inserir na campanha para debater. Ok, podemos considerar que não tivemos temas para debates – ou foram poucos.
Com isso, o que parece ter acontecido? As pessoas – não militantes, mas com um candidato por defender – ficaram olhando sem interagir e, quando aderiram, parecem que o fizeram pelo pilar menos importante (mas que é muito forte na internet): a brincadeira.
Enquanto os militantes das duas campanhas pregam entre e contra si, o “sujeito oculto” quase não apareceu. E, quando deu o ar de sua presença, foi para fazer “graça”. Foram poucas exceções, embora devam ser consideradas, claro.
Análise de hashtags
Usando algumas ferramentas de monitoramento disponíveis na web, conseguimos perceber esse movimento. O melhor exemplo foi a disseminação rápida da hashtag #serrarojas, divulgada a partir dos incidentes que aconteceram com o candidato do PSDB, no Rio de Janeiro.
Menos de dois dias depois do episódio, a hashtag foi parar nos TT’s (trend topics) mundial do microblog e alcançou quase 160 mil pessoas, gerando 464 mil vezes a exposição do tema. Cerca de 713 pessoas postaram sobre #serrarojas.
Para fazer uma comparação rasa, basta olhar o quadro abaixo. O sucesso de #serrarojas, em apenas 2 dias, tem quase a metade do mesmo alcance das hashtags oficiais dos candidatos (#dilma13 e #serra45) no mesmo período. Sempre considerando o máximo de análise que o Twitter permite, ou seja, 1.500 tweets.
Completando com a análise qualitativa: quando analisamos quem foram os principais multiplicadores, observamos que a maioria escreveu em seus perfis pessoais frases espirituosas e brincadeiras jocosas relacionadas ao tema mais factual.
A militância do PT se aproveitou, claro, mas o “sujeito oculto”, nosso cidadão 2.0, neste caso apareceu e “surfou” rapidamente na onda. Ele parece se divertir em situações como essa. Porque ele não aparece em outros temas?
Como já disse mais acima, talvez porque não ache nada mais interessante do que isso nas redes em termos de campanha.
Pode-se deduzir que se as plataformas dos candidatos não acharam espaço nas redes sociais para o debate, e o que restou para o “sujeito oculto” abraçar foram as “causas” mais engraçadas e imediatistas personificadas em ondas de #serrarojas, #dylmaboy, #dilmafactsbyfolha e #serracomedor, entre outras.
Ainda temos alguns dias para observar esse movimento, mas, o que fica por enquanto, é uma sensação de estranhamento. Ninguém é ingênuo para achar que não teríamos boatos e campanhas com “fakes” na web. Mas, talvez, o que a gente não esperasse mesmo é que só haveria isso…
É um tempo histórico que se escreve (ou digita-se) de uma maneira que, pessoalmente, lamento. É um tempo histórico que nos será cobrado mais adiante.
Rápida Análise do Twitter
- As hashtags negativas dos dois candidatos possuem números muito parecidos de alcance e de pessoas que as tuitaram. O que chama atenção é a exposição (mais do que o dobro) do #dilmanão em relação a #serramilcaras.
- Os influenciadores que divulgam essas hashtags obviamente são adversários. Os três maiores influenciadores que mais contribuem hoje para a exposição negativa de Dilma Roussef no Twitter não são claramente explícitos na sua bio no perfil, deixando margem para que se analise se são “fakes” ou não. Logo depois vem a militância bem explícita e organizada do partido, perfis regionais e mesmo perfis identificados como apoiadores militantes. No caso do #serramilcaras, os 4 principais divulgadores negativos são perfis de militantes do PT.
- Os perfis oficiais (@dilmabr e @joseserra_) têm comportamento distinto. No caso de Dilma Roussef, que, no primeiro turno, tinha quase toda sua exposição atrelada a perfis negativos à sua candidatura, houve mudança.
Nestas últimas semanas, a militância do partido passou a dividir melhor essa influência ocupando 3 das 5 primeiras posições dos perfis mais influentes no ranking de Twitter da candidata (@dilmanarede, @ProfMariaRachel e @blogdilma2010). É um ponto positivo.
- No caso de @joseserra_, chama atenção o volume da exposição em relação à @dilmabr: quase o triplo, incluindo o volume de posts (tweets). Entre os 4 mil “twitterers” de @joseserra_ atuam forte a militância da @rede45, @alvarodias_ e @TO_DE_OLHO. São todos perfis pró-candidato, mantendo a linha de comportamento do final do primeiro turno quando a maioria das citações do perfil oficial era mais positiva. A novidade aqui é que, desta vez, as celebridades desapareceram.
As hashtags de campanha mais usadas têm perfil muito parecido (#dilma13 e #serra45). E ambas são encabeçadas pelos perfis multiplicadores de militância.
Fontes:
Os dados apresentados neste artigo foram coletados e analisados com a ferramenta TweetReach no período de 21 a 22/10/10.
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